Como a resiliência e o desejo de aprender de uma mãe a capacitaram a liderar mudanças no Brasil

Conheça Lidiane Jacomini: coordenadora de família dos programas internacionais para a Perkins no Brasil.

Uma mãe está deitada na cama com seus dois filhos, um pequeno e outro bebê.

Durante o pré-natal em duas de suas quatro gestações, Lidiane Jacomini foi informada de que seus filhos nasceriam com má formações congênitas. Após os diagnósticos, médicos disseram que em geral os pais logo desistem de cuidar de crianças com surdocegueira e deficiência múltipla. Lidiane confrontou as opiniões negativas e decidiu que seu caso seria diferente.

Lidiane Jacomini, sorrindo e com blusa vermelha. De fundo, um rio e árvores com folhagem verde.

O que me motiva e o que me deixa feliz é que eu ainda tenho sonhos

Lidiane Jacomini

Como você se envolveu pela primeira vez no campo da educação para crianças com deficiência múltipla e surdocegueira?

Durante o pré-natal da minha terceira gravidez, descobri que teria gêmeos e fui informada de que um dos bebês nasceria com má formação. Uma semana após o nascimento, um dos bebês faleceu. Com o tempo, Micaella, a que sobreviveu, foi diagnosticada com surdocegueira congênita total. Nas primeiras consultas, um médico insistiu que os pais de crianças com surdocegueira se cansavam e desistiam do cuidado com os filhos. Foi o momento em que eu disse que essa não seria minha história e que não aceitaria desistir.

Para mim, se a Micaella não havia morrido é porque ela queria viver. Então eu teria que dar a ela as melhores condições de vida possíveis. Fui entender esse universo e me deparei com a história de Hellen Keller e depois, de uma surdocega brasileira chamada Janine, o que me fez pensar que existe vida após a surdocegueira, se fornecemos os estímulos certos. Meu próximo passo foi entrar em uma instituição especializada, a ADEFAV, da qual hoje também sou umas das administradoras.

Depois, durante a pandemia, nasceu o Lucas, diagnosticado com deficiência visual e ainda hoje estamos investigando alguns diagnósticos. A notícia foi um choque para mim. A essa altura, pensei que já estava emocionalmente preparada, mas percebi que não. Lucas foi meu segundo filho com deficiência e havia diferenças de diagnóstico entre ele e Micaella. Hoje as coisas estão mais fáceis para mim enquanto o Lucas vem superando todas as expectativas. Ele é uma criança ativa com o sorriso mais bonito do mundo. A presença dele me lembra de seguir em frente acreditando que é possível promover a educação e a autonomia das crianças com deficiências visuais e surdocegueira.

Quais foram os principais desafios que você e seus filhos enfrentaram ao longo dos anos?

Dentro de um berço branco, à esquerda Lucas sorrindo vestindo um pijama azul e à direita, Micaela sorrindo vestida em um pijama rosa.
Lucas e Micaella

O que eu inicialmente aprendi nessa jornada da Micaella é que eu quero que ela esteja bem em um lugar que ela seja acolhida. Porém, as pessoas só irão entender as necessidades de crianças com deficiência múltipla e surdocegueira através da inclusão, abrindo as portas e aceitando a Micaella. Ela tem o direito de estar em sala de aula, seja regular ou de educação especial. Eu insisto no ensino regular porque as pessoas só entederão a partir do momento que conheceram a Micaella.

Eu também tenho dois filhos mais velhos: o Breno de 14 anos e o Arthur de 9 anos. Dois meninos incríveis que apoiam muito a mim e ao pai. Às vezes vem um sentimento de culpa por tentar dividir a atenção entre eles já que as agendas do Lucas e da Micaella me demandam muito, além de todas as preocupações emocionais e financeiras. Porém, o meu papel de mãe é ser forte e passar segurança. Quando me pego culpada, logo lembro que eu fiz o melhor que podia fazer, então só me resta relaxar e ter a certeza que tudo vai dar certo.

Um fundo com sofá cinza, painéis de madeira e uma árvore de Natal com presentes. Em frente à árvore na esquerda, Lucas tentando alcançar um pacote amarelo, Arthur sorrindo, Micaela de pijama rosa sorrindo e Arhur de pijama azul olhando diretamente para a câmera.
Lucas, Arthur, Micaella, and Breno na manhã de Natal.

Como você se envolveu com a Perkins?

A convite de uma das consultoras da Perkins no Brasil, fui convidada a fazer parte de um Grupo de Trabalho Estratégico da Perkins no país para discutir temas nessa área, principalmente em políticas públicas. Mais tarde, fui convidada a participar dos cursos da Academia Perkins Internacional (PIA). Aceitei porque queria entender mais sobre a aplicação dos calendários e sistemas de comunicação.

Depois de concluir os 3 cursos da PIA e fomentar esse relacionamento, em 2022 fui convidada a me tornar o coordenadora de família da Perkins para o Brasil.

Uma sala de aula com quadro branco e Lidiane na frente vestindo jeans e blusa  florida, falando para uma sala cheia de pessoas sentadas em carteiras escolares azul.
Lidiane conduzindo a primeira reunião de famílias com os pais dos alunos da escola Presidente Tancredo de Almeida Neves, no Tocantins, Brasil.

Como seu papel trabalhando diretamente com famílias evoluiu ao longo dos anos?

Antes do convite, eu havia criado duas páginas nas redes sociais: uma para falar sobre surdocegueira e deficiência visual e outra voltada para as mães. Comecei este trabalho porque senti uma lacuna e uma necessidade de espaços para as pessoas falarem sem serem julgadas, pois se sentiam esgotadas ou carentes de informações corretas. Agora, serei a coordenadora de família da Perkins para as regiões de Tocantins, Amapá, São Paulo e Rio de Janeiro. Minha ideia é que essas famílias se sintam acolhidas. Qualquer lugar tem dificuldades e especificidades. O que importa é como vamos resolver esses desafios.

Acredito que o meu papel aqui é trazer soluções. Quero mostrar às famílias que seus filhos não são definidos apenas pela deficiência.

Sou muito grata porque trabalho com o que mais amo e com o que acredito. Acho que não precisamos viver sentindo pena de nós mesmos. Nossos filhos estão vivos, eles têm desejos, mesmo que seja de uma forma diferente.

Quando penso em trabalhar com famílias, acredito que seja sobre abrir possibilidades. Trabalhar com famílias é sobre eu poder trazer uma perspectiva de que a vida não acabou e que precisamos seguir em frente buscando o melhor

Lidiane Jacomini

Quais são os principais desafios e necessidades que as famílias de crianças e jovens com deficiência enfrentam no Brasil?

Primeiro, existem as diferenças dentre as regiões do Brasil, incluindo aspectos culturais e de infraestrutura. Além disso, há a questão dos subdiagnósticos. Também acho que há muitas discussões entre famílias e profissionais.Eu acredito que temos que parar de achar culpados e buscar soluções. Por exemplo, a Micaella não está matriculada em uma escola de ensino regular porque hoje eu tenho certas demandas. Não adianta eu a matricular no ensino regular e não ter um profissional que vai saber lidar com as necessidades de comunicação dela. E não podemos apenas dar formação para o professor. Preciso de toda uma comunidade escolar que possa recebê-la. Eu preciso de uma sociedade inclusiva.

O que você gosta de fazer no seu tempo livre?

Eu não consigo me resumir em mim. Eu consigo me resumir num coletivo. E o meu coletivo é o que me deixa bem. Então para mim é sobre os meus filhos estarem bem. Gosto de ouvi-los, de assistir filmes e aqui em casa a gente gosta muito de comer. O que me motiva ainda é sonhar. Sonhar que meu filho Breno vai conseguir ir estudar no Canadá, que o Arthur vai abrir seu pet shop. Sonhar que vou ter minha casa na praia e ver a Micaella se arrastando até a areia enquanto faço minha caminhada. O que me motiva e que me deixa feliz é que eu ainda sonho.

Da esquerda para direita, Lucas, Micaella, Breno e Arhur sentados na mesa da cosinha e sorrindo para a camera.
Lucas de 1 ano e 7 meses, Micaella 5, Breno 14, e Arthur 9.
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