A experiência de Eulália no Dia Internacional das Pessoas com Surdocegueira

Na semana da celebração do Dia Internacional da Pessoa com Surdocegueira, 27 de junho, conheça a história de ativismo de Eulália Cordeiro.

Eulalia em frente a um painel da Primeira Conferencia Municipal de Educação. Ela veste um conjunto preto e rosa.

A semana em que celebramos o Dia Internacional da Pessoa com Surdocegueira, 27 de junho, destacamos membros da nossa comunidade Perkins no mundo e suas incríveis conquistas. Conheça Eulália Alves Cordeiro: membro do Grupo de Trabalho Sentidos Brasil-Perkins, que atua para ampliar a conscientização e identificar novas oportunidades de inclusão, respeito à diversidade, equidade e acessibilidade no Brasil.

As pessoas com surdocegueira representam 2% da população mundial. Nenhuma pessoa com surdocegueira tem a mesma experiência de vida, pois o grau de perda de visão e audição varia de pessoa para pessoa. Para saber mais, conheça a história de Eulália, que enfrentou difuldades por falta de conhecimento do seu diagnóstico e preconceito, mas hoje é uma importante ativista na causa das pessoas com surdocegueira atuando em diversas organizações governamentais e não governamentais na área de saúde e educação.

Eulália Alves Cordeiro
Audiodescrição: Mulher com 58 anos, meço 1,47cm, tenho cabelo castanho curto e liso, olhos castanhos, cor parda.

“Nasci em Fronteira dos Vales em Minas Gerais, tenho síndrome de Usher tipo 2. Éramos em 8 irmãos e dentre todos, quatro com surdocegueira (síndrome de Usher e retinose pigmentar). Todos de nascença, o que a família identificava mais era a demora para a fala oral, a cegueira noturna e a falta de visão lateral. Em busca de tratamento e trabalho, meu pai, Nelson e Humberto (irmãos, ambos com surdocegueira) vieram para São Paulo capital em 1973. Chegando em São Paulo, meu pai encontrou trabalho de vigia e meus irmãos em fábrica. Lá tinham uma série de desafios para enfrentar, principalmente a cegueira noturna e os preconceitos e maldade dos demais funcionários. Nessa época, eles tinham 16 e 19 anos e eu, 9 anos. Meu pai voltou para buscar a família toda.

Quando chegamos, eu e minha irmã Eulinda não encontrávamos escola para estudar porque não aceitavam nossa condição de deficiência, minha irmã inclusive desistiu de estudar por conta da resistência. Aos 14 anos ela foi trabalhar na metalúrgica. Mudávamos de bairro em bairro, e depois voltei para a região da Chácara Santo Antônio, quando uma escola me aceitou para estudar. Nas escolas passei inúmeras dificuldades por conta da resistência dos professores, colegas e profissionais lá envolvidos. Passava o intervalo sozinha, não tinha atividades adequadas ä minha condição e os professores me discriminavam indicando que ali não era lugar para mim.

Eulália e seus irmãos e irmã também diagnosticados com Síndrome de Usher.
Eulália e seus irmãos e irmã também diagnosticados com Síndrome de Usher.

Quando voltei a morar na Chácara Santo Antônio, na primeira escola, ali soube o que era inclusão. Em uma aula de artes, a professora conversou comigo e quis entender meu isolamento e porque eu não participava das atividades escolares junto dos meus colegas. Ela se interessou em mudar essa condição e começou a fazer dinâmicas com os demais alunos para começarem a me entender, isso se tornou um apoio para mim. Aprenderam a guiar, a fazer fala ampliada nas atividades, e me acompanhavam até em casa pois eu estudava à tarde. 

No Ensino Fundamental II eu não reprovei, mas no Ensino Médio não tive o mesmo apoio. Em outubro eu desisti e saí da escola depois do professor de Química falar que eu estava na escola errada e que ali não era o meu lugar, mas eu não conhecia escolas especiais. Com isso, comecei a trabalhar em metalúrgicas.

No trabalho do meu irmão Nelson, as pessoas o admiravam. Um dos médicos se impressionou com suas habilidades e resolveu o ajudar levando para fazer exames. Depois de muitas pesquisas, levaram exames até a Holanda para diagnosticar enfim a Síndrome de Usher tipo 2. O acompanhamento se dava com oftalmos e otorrinos, quando descobriram já era 2003. O diagnóstico foi realizado pelo Grupo Brasil em parceria com a Unifesp, com a Doutora Juliana Maria Salum. Os quatro irmãos estavam juntos sendo diagnosticados.

Quando trabalhei na metalúrgica, não falava da deficiência porque se soubessem, me mandariam embora. Sofri acidente de trabalho porque o ambiente era muito escuro e com a cegueira noturna, não vi uma empilhadeira que me jogou longe e me machucou, com isso larguei do trabalho e fui fazer reabilitação no Instituto Dorina Nowil. Lá aprendi sobre atividades da vida diária (AVD), fiz fisioterapia, aprendi o sistema de grafia Braille, porém mesmo com esse contato, não me identificava como uma pessoa com surdocegueira, achava que só tinha eu e meus irmãos com surdocegueira no mundo.Sofri descriminação por conta de pessoas com deficiência visual que não reconheciam e nem respeitavam a minha deficiência.

Em 2004 conheci a Adefav onde  atendiam pessoas com surdocegueira, antes disso não conhecia adultos com surdocegueira. Na época, a participação na instituição era paga, mas não tinha condições. De lá fui para o Grupo Brasil (Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e à Múltipla Deficiência Sensorial) que além de não ser pago, ofertaram um curso de gestão de associação ministrado por um professor Colombiano em 2005. Após isso, já comecei a participar de conselhos, em 2007 entrei como conselheira estadual e depois municipal.

De lá para cá, participo ativamente como representante do Grupo Brasil nos conselhos municipais, estaduais e nacionais na área de saúde, saúde mental e educação. Atualmente sou presidente do conselho deliberativo do grupo Brasil e participo de diversas Conferências nacionais e internacionais. Também faço parte, desde 2019, do Grupo de Trabalho Sentidos Brasil-Perkins atuando com o grupo nos últimos anos na conscientização e formação de equipes de museus para que possam pensar em acessibilidade e entender como fazê-la de modo a atender a todos, conhecendo e respeitando a diversidade.”

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